sexta-feira, 2 de junho de 2017

OH ROTINA QUE MATAS E FAZES TANTA GENTE INFELIZ!


O ano escolar está a terminar. Mais do mesmo. Obviamente, cada estabelecimento de educação e de ensino tentou fazer pelo melhor, mas com o espartilho institucional, com as convenções que determinam, em síntese, se sempre foi assim, por que raio havemos de fazer de forma diferente? E este aspecto é extremamente condicionador. Sempre foi. Nem o governo, assumidamente, quer ou deseja uma mudança estrutural, tampouco existe mentalidade galvanizadora para romper com as amarras do passado. Contenta-se com acertos marginais. E a rotina mata, mas muitos preferem "morrer aos poucos" a dar passos em direcção a um paradigma sistémico que coloque a escola como centro de vida e de aprendizagens significativas. 


Qualquer sistema, por mais ultrapassado que esteja do ponto de vista do conhecimento científico, acaba sempre por produzir alguns resultados. Ora são as "olimpíadas" disto e daquilo, ora as distinções por mérito neste ou naquele concurso, outras vezes é "glória" de uma palavra de simpatia da OCDE (!) enfim, por variadíssimas razões, sempre houve quem se destacasse dos demais, o que leva a  confundir a árvore com a floresta. E isto conduz, inevitavelmente, à perversidade de julgar-se que o sistema funciona bem e que se recomenda.
Colocar em cima da mesa, em contraponto, as impressionantes taxas de insucesso, de abandono, de qualificação profissional e, com honestidade intelectual, procurar discuti-las para perceber as suas causas, a montante e a jusante, normalmente, pouca relevância acaba por ter. Os governantes fogem a sete pés! Convencido estou, por isso, que mais vale uma notícia ou um título que escorra, como mel, garganta abaixo do governante do que contextualizar as razões mais profundas da manutenção de um sistema que assenta, sem significativas alterações, desde o Século XIX aos nossos dias. Há políticos que vivem ou preferem sobreviver nesse quadro de poucas ondas. Essa mentalidade faz escola. Ruy Barbosa (1849/1923) escreveu um dia: "(...) De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra; de tanto ver crescer a injustiça; de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto." É, de facto, um  problema de honestidade, neste caso, de desonestidade, querer meter, como escreveu Alvin Toffler, cito-o de cor, "o mundo embrionário de amanhã nos cubículos convencionais de ontem". 
Tenho quatro netos que me falam da escola. Subtilmente puxo-lhes pela língua e lá desatam a dizer o que pensam. As crianças são espontâneas. Ainda ontem tive um deliciosa conversa com um deles. A informação que dispõem e que lhes chega (a eles e a todos os outros), diariamente, pelos mais diversos canais, a capacidade que demonstram para discutir, questionar e interligar os temas conduz-me a (re)pensar a estrutura organizacional, curricular e programática da escola, completamente divorciada do tempo que estão a viver. Para as crianças deste tempo, a Escola não está para elas. Pode estar para os governantes (e está) e para os professores que têm de cumprir, no centro operacional, embora com sacrifício, o que o vértice estratégico determina. É mais fácil cumprir uma tarefa do que nela se envolver. Às crianças e aos jovens compete-lhes escutar e decorar mesmo que seja para esquecer. Decoram sem sentir e interiorizar. Decoram para responder o que está no manual. Decoram para o teste e para as percentagens convertidas em níveis ou notas. Vivem dentro de um fatinho, de tamanho único, quando a aprendizagem quer-se feita à medida de cada um. Confrontam-se com a escola pronto-a-vestir, sempre com o mesmo padrão. A diversidade e a possibilidade de desenvolver o acto de PENSAR e de, permanentemente, questionar, não existe. Olho para o mais novinho, de apenas dois anos, e observo-o a mexer no tablet e no telemóvel de tal forma que me leva a interrogar se esta criança não será mais uma desajustada quando estiver sentada, olhando para o quadro preto, enquanto o professor debita, debita e complementa a dita "sabedoria enciclopédica" com "trabalhos para casa", roubando-lhe o tempo para ser criança, tempo fecundante da vida. Ela e todas as outras. Há quem se esqueça que "brincar é um alicerce essencial da cultura humana". O panorama geral é este e aprender a desaprender, HOJE, não faz parte, grosso modo, do cardápio que lhes apresentam. Ah, a robótica... claramente, uma "casinha" construída do telhado para baixo. Em que paradigma sistémico se enquadra? Se alguém descortina as ligações sustentáveis, interligadas e transversais faça o favor de elucidar-me. Confesso a minha ignorância. 
Entretanto, a par do imenso trabalho burocrático (tarde ou cedo destinado ao arquivo morto) já começaram as ditas "festas" disto e daquilo, trabalhadas ao pormenor, com alguma competição entre escolas, ao jeito de "a minha foi melhor que a tua", tudo concebido para uma função político-mediática, porque o governante faz questão de estar presente. Festas de enaltecimento do trabalho dos adultos, porém, de resultados pouco convincentes para o futuro das crianças e jovens. As estatísticas são o algodão que prova a mancha negra, melhor dizendo, o desajustamento do sistema educativo em função do presente e do futuro.
Este ano está a terminar. O próximo está aí ao virar da esquina. A estrutura será, obviamente, a mesma, aqui e ali com mais pincelada menos pincelada de cores garridas. Oh rotina que matas e fazes tanta gente infeliz! 
Ilustração: Google Imagens. 

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