quarta-feira, 13 de setembro de 2017

INÍCIO DO ANO ESCOLAR: OS CHAVÕES E A CONFUSÃO DE CONCEITOS


Todos os anos, o palavreado repete-se. "Está tudo preparado para que o novo ano decorra com a maior das tranquilidades e das serenidades, acreditando que será mais um ano de sucesso para os nossos alunos". Repetidamente, falam de "tranquilidade", "normalidade" e, este ano, de "serenidade". Três palavras de significado idêntico: paz, silêncio, sossego, mansidão, quietude, habitual, frequente, corriqueiro, enfim, tudo o que o sistema e a escola não precisam. O sistema precisa de inquietação, de questionamento, de dúvida, de agitação das mentalidades. Viver na tranquilidade significa manter a rotina, ela já de si doentia, significa que o decisor político se contenta com a colocação dos professores, com as portas abertas no dia indicado, com os diversos serviços a funcionar, com a campainha que toca e volta a tocar, com o livro do ponto e com a infestante burocracia. Um ser acomodado! É a normalidade para uns, a tranquilidade para outros e a serenidade para os demais, tudo conjugado nesse silêncio e mudeza que evita a reflexão.


Ora, a escola não deve ser tudo aquilo se quer ter sucesso. Bastaria que perguntassem aos professores e aos alunos se esta Escola satisfaz! Se estão ou não com uma Escola manifestamente estática, penosa, sem iniciativa, contra a inovação, desmotivadora, de taxas de insucesso e de abandono preocupantes. Perguntem e questionem o que pode ser elaborado no sentido de uma escola que apaixone e de um sistema que não seque tudo em seu redor. Questionem o porquê do cansaço dos professores, as razões das angústias, das depressões e internamentos. Interroguem-se sobre o porquê da presença de psicólogos nos estabelecimentos de ensino. Ponham em cima da mesa, de forma transversal as características do "modelo" (diferente de paradigma) e discutam as questões sociais, a pobreza, os empregos precários, a complexa situação financeira de milhares de famílias, como alterar a mentalidade que joga para a responsabilidade da escola o que lhes deve pertencer. Façam um "brainstorming", concluam e caminhem na base de um permanente desassossego. Com tranquilidade ninguém lá chega! 
Mas o mais curioso é que na mesma edição do DN-Madeira (ontem), o presidente do governo da região veio falar que "(...) a educação formal é necessária e essencial, mas que há outra educação que é dada fora da escola (...) que é muito "importante na formação dos valores, no sentido da responsabilidade e da cidadania (...)". E adiantou, ainda, "(...) num Mundo onde os desafios da mudança são tão rápidos, em que a própria educação formal não tem capacidade de resposta, esta educação informal é sempre importante (...)". Ora, mesmo considerando alguns erros ao nível dos conceitos, chega-se, facilmente, à conclusão de um antagonismo de posições que pasmam. Um falou de "tranquilidade/serenidade", outro de mudança e de educação "informal" o que, pressupostamente, traz no seu bojo a necessidade de repensar toda a oferta educativa da escola; um denuncia, claramente, acomodação, outro parece desafiar para a "mudança". Trata-se, é-me óbvio, de um choque político frontal. Ou foram palavras de circunstância e apropriadas ao momento, palavras que soam bem aos ouvidos dos presentes, ou então, ambos não se entendem no discurso sobre a Educação. 
Passo para o domínio dos conceitos. O que é isso de educação formal e informal? Qual a linha que separa o currículo de tudo o resto definido como "não obrigatório", porém, "importante"? E será que muito do "obrigatório" é "importante"? Questiono,  ainda: a Escola não tem capacidade de resposta? Homessa, ou será que o sistema não quer alterar os pressupostos organizacionais, curriculares, programáticos e pedagógicos? Afinal, aproveitando, as palavras ditas, como exemplo, não será na escola que se aprendem, também, "os valores fundamentais da cidadania (...) para termos uma sociedade melhor"? Não sendo apenas isso, o dos valores da cidadania que estão em causa, essa condição de quem possui direitos civis, políticos e sociais, então a Escola não tem capacidade de esbater a fome de tudo o resto, cumprindo os seus desígnios? Com mais de 6.000 professores, terão as famílias de recorrer à múltipla oferta privada, com os inerentes encargos, para que a Educação corresponda à formação integral do ser humano?
O presidente falou de um aspecto particular, o da cidadania, mas a Educação é muito mais do que isso. Pensar o futuro, (re)desenhando-o, implica que a tal "mudança", ela própria seja portadora de futuro. Está, portanto, em causa, um novo conceito de escola e de aprendizagem. No essencial, como quebrar o que dizem ser "formal" conjugando-o (integrando-o) com o "informal". Como aprender amanhã, desaprendendo o que ontem foi adquirido, mantendo o desejo da curiosidade e do conhecimento? Como articular os múltiplos saberes básicos, de forma coerente e integrada, com qualidade, através da participação activa e não de um sistema que se baseia na atitude passiva, onde o professor debita e os restantes escutam? Como fazer da Escola, todos os dias, a "festa do conhecimento", a alegria que não rejeita a importância das tecnologias que eles trazem na mochila e, como dizia o Professor Rubem Alves, dando lugar a um professor não debitador e repetitivo, mas a um "professor de espantos"? Como inverter a lógica obsessiva da avaliação permanente e exclusiva, a da meritocracia sem sentido, desde o primeiro ciclo, por uma outra que nasce da necessidade de dizer "eu sei"? 
Eu sei, também, que dá muito trabalho uma nova concepção, globalizante, do sistema educativo, sei que é complexo terminar com décadas de rotinas, sei que é mais fácil seguir o que é determinado pelo Ministro da Educação, do que exercer a Autonomia a tempo inteiro, sei que para o burocrata, uma vez mais na feliz expressão de Rubem Alves, "o que interessa é o que vem no relatório, não as crianças", sei que para "quem só tem um martelo como instrumento, todos os problemas parecem pregos" ( Mark Twain). Por tudo isto, porque a construção do futuro implica outra forma de estar, por favor, não falem de "tranquilidade" e de "serenidade", tampouco de "mudança", quando, por um lado, são totalmente incompatíveis e desajustadas ao mundo de hoje, por outro, é evidente que não querem mexer uma palha. A efectiva mudança, tenham presente, corresponde à construção de um de paradigma, qualquer coisa pela qual me guio (processo) e nunca repito (modelo)!
Ilustração: Google Imagens.

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