sábado, 29 de dezembro de 2018

UM ABRAÇO PARA 2019



Tenho andado arredado de tudo. Intencionalmente, por vários motivos, parei. Tenho razões para isso. Afinal, o ano, apesar de passar cada vez mais rápido, ainda assim comporta muitos dias para escrever as múltiplas preocupações que o dia-a-dia vai suscitando. Umas, absolutamente banais, outras que a todos nos toca e preocupa.
Estamos a poucas horas de um novo ano. Não faz o meu jeito enunciar, transcrevendo, a lengalenga dos habituais votos. Deixo aqui apenas um: que a saúde acompanhe todos quantos por aqui passarem. Isso é o melhor que se pode aspirar e desejar. E a todos envolvo em um ABRAÇO fraterno, tal como exprime esta fotografia que fiz no final de ano de 2016. Como foi tirada ficou. Quis aquele momento do disparo que ficasse registada uma espécie de abraço a uma figura indefinida. Designei-a por "abraço de anjo", embora não o seja, muito menos com as asas que o fogo se encarregou de colocar! 
Ilustração: Arquivo próprio.

sábado, 22 de dezembro de 2018

O ENTULHO DAS ESCOLAS


Chegou o fim do primeiro período e, com ele, começam a sair dos buracos do grelhador mais umas quantas grelhas que lá tinham ficado esquecidas. Por incrível que possa parecer, a burocracia em que vivemos atolados ainda me consegue surpreender. Como se não bastassem já as pilhas de testes e trabalhos por corrigir que se acumulam nesta altura do ano em cima das nossas secretárias, sem esquecer as grelhas de avaliação que nos organizam as classificações a atribuir de acordo com percentagens específicas para cada item que, por sua vez, se subdivide em pontos diferentes a atribuir ao conteúdo, à estrutura e à correção linguística (se não for professor de Português, não tente sequer compreender isto), há ainda as diferentes competências da disciplina ou domínios ou lá o que lhe quiserem chamar (uma vez que a terminologia tende a variar como as estações do ano), surgem ainda as mensagens sucessivas no meu correio eletrónico com novas grelhas e relatórios e fichas por preencher. Sim, caro leitor, o Decreto-Lei Nº 54/2018 vem acompanhado de 26 anexos. Leu bem. Vinte e seis...


Ora, aos caríssimos senhores e senhoras, elites ministeriais, concetualizadores de decretos, e aos outros, os que têm a paciência para transformar os decretos em grelhas que facilitem a aplicação do arrazoado ministerial, lanço daqui o meu apelo, uma vez que todas estas grelhas e documentos a preencher, no meu caso particular, já começou a fazer mossa.
Eu sei que sou diretora de turma e que, por mais umas míseras três horas semanais tenho de organizar a vida de trinta alunos, receber os seus pais e encarregados de educação, organizar o dossier, arquivar as justificações de faltas, preparar as reuniões de avaliação e, mais importante, estar atenta aos múltiplos sinais de (d)equilíbrio que os discentes possam apresentar... mas não vos chegaria a ata das reuniões que realizamos para vos (e nos) elucidar sobre o que verdadeiramente interessa?
Estarão, vossas excelências, na posse da absoluta certeza de que é mesmo necessário também o anexo à ata? O relatório de turma e o anexo ao mesmo? O relatório das visitas de estudo? O plano de turma? E a ficha de alunos indicados para apoio? E a ficha de referenciação com a sua ficha anexa? E a ficha individual de transição? A ficha de identificação de necessidade e medidas de suporte à aprendizagem e à inclusão? E o relatório técnico-pedagógico?
Não tenho a certeza. Sei, porém, que se acrescentarmos a estes documentos os outros que são obrigatórios das nossas disciplinas de lecionação, estamos perante um menu recheado de papel que no final de cada ano transformará em entulho. Sim, os resíduos resultantes da construção e demolição de mais um ano letivo serão enfiados - durante horas - em envelopes que mais ninguém abrirá e cujo destino será um qualquer arquivo morto com o qual os muitos ratos que habitam algumas escolas se irão certamente deliciar.
Por isso, peço-vos: (i) controlem, por favor, a propagação desta doença – grelhice crónica, como alguém já lhe chamou – e deixem ficar apenas as atas que ainda elaboro com tanto afinco, possuída pela esperança dos otimistas de que alguém as lerá; (ii) partam das reflexões, desabafos e preocupações que os professores nelas registam para os ajudarem a encontrar soluções para os muitos problemas que lá surgem; iii) usem-nas para, nas intermináveis horas de reuniões de conselho pedagógico (gastas a aprovar grelhas e fichas e afins que em nada acrescentam à qualidade do ensino) decidirem - com medidas efetivas - sobre os graves problemas que afetam diariamente a nossa prática letiva: a indisciplina, a desmotivação e a preocupante falta de inovação.
Porque é na aula que tudo acontece, não no papel, reconheço cada vez mais um cariz patético neste excesso de burocratização em que vivemos dentro da escola pública. Deixem-nos ser professores, pá!

Carmo Machado
Fonte: Visão

quinta-feira, 20 de dezembro de 2018

FELIZ NATAL PARA TODOS


Quando chego a este período do calendário, sinto um misto de alegria e de profundo desencanto pela humanidade. Todos, certamente, sentirão o mesmo pelas mais variadas razões. Desde a falta de quase tudo até à doença; desde as múltiplas desestruturações à vida fútil até à violência gratuita. Vivo na incompreensão de uma dialética onde a inteligência, a descoberta e as necessidades estão em permanente oposição sem uma saída plausível. No meio disto, sinto a alegria por um Cristo que deixou uma Mensagem que me invade e que se os Homens tomassem à letra as Palavras então ditas, não teríamos tantas assimetrias locais, regionais e mundiais. Dos conflitos à fome, da guerra aos refugiados. 

Disse o Papa Francisco: "O Natal é a desforra da humanidade sobre a arrogância, da simplicidade sobre a abundância, do silêncio sobre o tumulto". É, sem a menor dúvida. Para quê tanta arrogância e para quê tanto dinheiro nas mãos de tão poucos, quando incontáveis milhões vivem excluídos nas margens da sociedade. De uma ponta à outra do planeta, convenhamos! 
É este desencanto que me prostra. Essa inteligência ao serviço do mal, o paradoxo da incapacidade para não querer entender as pessoas e os benefícios da paz, os incríveis jogos de política subterrânea, a busca incontrolável da riqueza à custa do trabalho escravo ou a paulatina destruição do planeta pela ganância imediata que impede de ver a sustentabilidade ambiental. Tudo isto, quando a vida é finita e a morte espreita ao virar da esquina, ficando tudo aí.
Não sou uma pessoa sem esperança. Acredito no conflito e na reprodução, isto é, que ao tempo turbulento poderá se seguir uma nova ordem mundial, através do grito dos povos, que conduza a uma nova Economia, uma Economia do povo para o povo, a uma justa distribuição da riqueza assente em novos equilíbrios políticos. Difícil, muito difícil, é certo, mas pior será embarcar nesta onda que tudo varre e que não permite uma faísca que ilumine um novo olhar sobre um caminho que não assente na caridade. 
Neste Natal, mais do que as palavras ditas em um qualquer Te-Deum, dos rotineiros votos expedidos aos amigos porque são de bom tom, mais do que os almoços e jantares tradicionais, mais do que visitas de apresentação de cumprimentos entre entidades públicas, mais do que Missas do Parto, ponchas, licores, broas, bolos de mel e de tantas iguarias em todo o Mundo, finalmente, mais que o fogo que ilumina os céus de todos os espaços, entre passas e promessas, fica a minha renovada esperança no Homem enquanto centro de todas as preocupações.
Feliz Natal para todos os Amigos que por aqui passarem e que 2019 valha a pena em todos os sentidos.
Ilustração: Arquivo próprio.

domingo, 16 de dezembro de 2018

EM CARCAVELOS JÁ NÃO SE APRENDE PELOS MANUAIS


Não se trata de uma notícia, pois há muito que se sabe da intenção e até mesmo do plano de implementação. O estabelecimento de aprendizagem, escola básica e secundária de Carcavelos, aboliu os manuais escolares e daí que, 1600 alunos, do 5º ao 11º ano, têm no tablet um recurso tão importante como o papel e a caneta. Os manuais escolares desapareceram da lista de material obrigatório. Os professores usam tudo o que tenha suporte digital. (Fonte: Expresso)

11,5 kg de livros e cadernos (6º ano). Para quê?
Os especialistas dizem que as crianças não devem transportar
mais de 10% do peso corporal.

Desde há muito que abordo a existência de manuais escolares. Recorrentemente, tenho questionado para que servem, neste tempo que a todo o momento a tecnologia nos envolve. Os manuais apenas continuam a alimentar o lóbi das editoras ao mesmo tempo que agravam a vida das famílias. Presume-se que atinja os 170 milhões de euros o que as famílias gastam em material escolar. Em média, dependendo, obviamente, do ano de escolaridade, as famílias desembolsam entre 200 e 400,00 euros em material escolar, que incluem os manuais.
E nesta loucura entra o governo da República (boa iniciativa foi aquela designada por "Magalhães") que os disponibiliza e as autarquias que se "guerreiam" no sentido de se afirmarem junto das populações, enquanto competição, pelo título de quem mais facilita a vida das famílias.
Neste preciso momento acabo de colocar, no motor de busca Google, a palavra "rochas". Em cerca de 0,49 segundos surgiram-me 288 000 000 de resultados. A seguir limitei a consulta a "tipos de rochas". Em 0,39 segundos surgiram 1.510.000 hipóteses de consulta. Para quê o manual? Nova consulta: Geografia 8º ano. Em 0,31 segundos surgiram-me 50.200.000 possibilidades de consulta sobre os mais variados temas. Para quê o manual? À distância de um clique está lá tudo, deste os famigerados programas, aos actos pedagógicos, fichas, tudo o que quisermos. Basta orientar a escolha e que o professor seja o mediador da aprendizagem.

Como já alguém referiu o mais difícil é fazer calar os professores. Eles são portadores de uma vivência enquanto estudantes, sentados, obedientes e seguidores do manual, porque existe uma hierarquia política que não lhes confere margem para uma profunda inovação pedagógica, estão subordinados a um programa que tem de ser transmitido e metido à força porque existe a cultura dos exames, porque estão presos ao sistema de avaliação de desempenho, portanto, torna-se mais fácil seguir a norma, o livrinho, página a página, sobretudo o que fica definido na reunião dos delegados de disciplina. Pesquisar, investigar, desenvolver pensamento, elaborar sínteses e saber explicar são aspectos que o sistema experimenta dificuldades em aceitar. 

Ora bem, hoje, escola onde o professor fala, consecutivamente, que torna os alunos passivos, que vive obcecadamente a avaliação, é uma escola sem futuro. Carcavelos há muito percebeu isso e a Associação de Pais da escola pôs-se a caminho negociando e conseguindo tablet's a um preço vantajoso de, aproximadamente, € 200,00, muito abaixo do que gastariam com os manuais. Com a vantagem de servirem para vários anos. E o governo ajuda.
Mas o exemplo daquela escola, do meu ponto de vista, constitui apenas um primeiro passo. No plano pedagógico há muito caminho a percorrer. Por exemplo, a não existência de disciplinas sectoriais. Uma ou outra, pela sua natureza, convenhamos, pode ser individualizada, porém, a esmagadora maioria deve estar presente, de forma transversal, através do estudo por "fenómenos complexos". Um exemplo: ao estudar o vinho, pode-se estudar a Geografia em várias áreas, a História, a Agricultura, a Química, o Português, a indústria vidreira, a indústria da cortiça, a Economia em múltiplas dimensões, eu sei lá o que uma só palavra "vinho" pode espoletar? (pesquisa na net  - cerca de 143 000 000 resultados em 0,56 segundos, sobre a palavra vinho.
Tenhamos presente que a vida pede-nos conhecimento integrado e não individualizado. Da mesma forma que nos pede trabalho em equipa e não trabalho individual. Há, portanto, um longo caminho a desbravar no sentido de uma aprendizagem que não se limite a decorar para esquecer. Ignorar os meios tecnológicos, quando devidamente orientados, é, assim, de uma ignorância sem limites. Dá mais trabalho aos professores, obviamente que sim, mas os resultados são melhores. Há que deixar os jovens "meterem a mão na massa" do que serem agentes passivos daquilo que dizem ser aprendizagem.
O problema é que por aqui, há dias, li uma declaração do senhor presidente do governo, enaltecendo a intenção de, no próximo ano, uma determinada escola sensibilizar para a "robotização". Isto é o que se designa por "andar com o carro à frente dos bois". Mas explica também, na esteira de Alice, que quando não se sabe para onde se caminha, qualquer um serve! E porquê? Porque há patamares que não podem nem devem ser ultrapassados. A preocupação do governo não deve ser a "robotização", mas a "transformação graduada", enquanto um dos princípios do desenvolvimento, aquele que estrutura os instrumentos que conduzem ao aprender a desaprender. Necessário se torna, primeiro, quebrar as amarras de uma pseudo-aprendizagem, que leva alguns anos, para depois partir, com absoluta naturalidade para novos patamares do conhecimento. Enquanto isso não acontecer, a "robotização" constitui areia para os olhos. Como está a ser o Brava Valley!
Ilustração: Arquivo próprio.

NOTA
Artigo da minha autoria publicado no blogue: www.gnose.eu

sábado, 15 de dezembro de 2018

SENHOR SECRETÁRIO, FALE A VERDADE.


E regresso ao mesmo, à escola do Curral das Freiras, a tal que foi objecto de uma fusão com a escola de S. António no Funchal. A primeira pertence ao concelho de Câmara de Lobos, a outra ao concelho do Funchal. A primeira tem obtido, dentro do sistema educativo vigente, resultados de topo nacional, a segunda é uma escola igual a tantas outras. A primeira passou, em poucos anos, do lugar mil duzentos e tantos do "ranking" nacional para uma melhores do país, a outra, no ano passado, ficou no lugar 763º nos exames de 9º ano. Facto que nada tem a ver com o esforço do seu quadro docente. A primeira ganhou prémios nacionais, tendo sido destacada como exemplo, da segunda, conhece-se a normalidade. A primeira teve luz verde para realizar eleições internas que teve como vencedora a equipa liderada pelo Professor Joaquim José Sousa, a segunda aceitou a fusão de uma escola de fora do seu concelho, em clara ausência de solidariedade com os seus colegas de profissão.

Curral das Freiras
Entretanto, no recente debate do Orçamento na ALRAM, o secretário da Educação, face a uma pergunta do deputado Roberto Almada (BE), afirmou que a fusão da Escola do Curral das Freiras com a Escola de Santo António "não teve a ver com o facto de não gostarem da direcção que foi eleita no Curral", tendo assegurado que o governo "não se move por qualquer sentimento de gostar ou não gostar (...) mas apenas por não haver alunos para uma turma de 1° ciclo ou, no 2° e 3° ciclos, não ter mais do que uma turma. "São critérios meramente pedagógicos" - Fonte DN-Madeira.
Ora, à luz de toda a história do processo sabe-se que isto não corresponde nem minimamente à verdade. O governante não foi honesto com a sua própria verdade. Não faz muito tempo, foi o próprio secretário que sublinhou que a escola do Curral das Freiras era viável até 2025, o que significa que não estava em causa a sua continuidade como estabelecimento autónomo. Por outro lado, se sabia que a escola teria de ser fundida com outra, porque permitiu a realização de eleições para os órgãos gestionários da escola, para depois fundi-la? Depois, ainda, utilizando uma a linguagem popular que diz que "equipa que ganha não se mexe!" quais as razões da súbita mudança? Se se tratava de uma escola com excelentes resultados, mas com poucos alunos (do meu ponto de vista, ainda bem) porque não abriu a possibilidade de transferir alunos de S. António, eventualmente residentes na fronteira com o Curral, para a escola que apresentava excelentes resultados? Se foi explorada essa hipótese, desconheço. Finalmente, se nada tem a ver com a deslocação de alunos, quais as razões de acabar com os órgãos gestionários e administrativos de uma escola que ensaiava DINÂMICAS PEDAGÓGICAS diferentes e com resultados?
Tantas perguntas podiam e podem ser feitas e todas elas colocam em causa a decisão do secretário. À luz do publicado e de um execrável processo de inquérito e/ou disciplinar em curso, só se pode concluir que as razões são outras, são de ciúme, de intolerância, de não gostar do que ali se fazia nos planos organizacional e pedagógico, do êxito nacional não ter passado pela imagem do secretário, do Professor Joaquim ter aparecido em uma campanha eleitoral de um partido que não o da força maioritária, enfim, há múltiplas razões que convergem para a ideia que consubstancia a existência de causas que não as que se prendem com o número de alunos. E assim vai o governo que, no sistema educativo, não apresenta nada de inovador. Bem pelo contrário.
Ilustração: Google Imagens.

NOTA
Não ligo aos "ranking's", considero-os enganadores, nem os utilizo porque dá jeito. Importante é a atitude pedagógica, porém, para justificar a mentira, obviamente, que tenho de socorrer-me de dados factuais. Apenas por isso.

terça-feira, 11 de dezembro de 2018

Currículos menos teóricos e menos extensos


O mais recente relatório sobre o estado da Educação feito pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), que voltou a analisar a fundo o sistema de ensino nacional, destaca vários pontos, como o insucesso continuar concentrado nos filhos de famílias mais carenciadas e com menos formação, avança com sugestões, como a possibilidade de acabar com o 2.º Ciclo do Ensino Básico, e recomenda a criação de uma estrutura que trate da avaliação e revisão dos programas de todas as disciplinas de forma sistemática. E volta a chamar a atenção para um corpo docente envelhecido. O que pensam os diretores escolares desta última análise feita pelo CNE? 

Há muitos anos que a Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP) defende um pacto na Educação relativamente a pelo menos dois setores, ou seja, no plano curricular para que perdurasse pelo menos duas legislaturas completas, já que é fundamental para alunos e professores saber o que se ensina, e ao nível da avaliação externa dos estudantes para que se mantivesse pelo menos oito anos sem sofrer alterações, já que a história prova que um governo de esquerda dá primazia às provas de aferição e um governo de direita privilegia os exames.
Filinto Lima, presidente da ANDAEP, professor e diretor escolar, recorda essa vontade e os benefícios desse pacto na Educação, nomeadamente ao nível da estabilidade, e insiste que é necessário um forte investimento nesta área. O mais recente relatório do CNE traz ao de cima esses assuntos. “O Orçamento do Estado 2018 traduziu-se num autêntico balde de água fria e num rude golpe desferido na Educação, e este corre o risco de ir pelo mesmo caminho”, comenta ao EDUCARE.PT. “Critiquei veementemente o modo como a Educação e os seus profissionais foram (mal)tratados, num documento orçamental que arrasou a dignidade docente, vilipendiando o sacrifício, por congelamento da progressão na carreira de nove anos, quatro meses e dois dias, tempo exercido em docência, com a pretensão de que, passando-lhe a borracha, não tivesse existido. Atentando nos discursos políticos reiteradamente proferidos, não se prognosticava tal crueldade”, refere. 

O CNE revela que 2,5 milhões de portugueses só têm o 4.º ano de escolaridade e que cerca de 5% são de analfabetos. “São números que nos envergonham, necessitando adotar medidas positivas para diminuir estes valores escandalosos no século XXI”. A ANDAEP insiste que é necessário apostar na educação de adultos. O CNE dá também nota que há menos computadores nas escolas, tendo em conta o número de alunos. “As escolas necessitam de renovar o seu parque informático, já obsoleto, e ser dotadas de rede wifi fiável pois a atual obriga à preparação pelos professores de dois planos para a mesma aula: plano A com recurso à internet, usando computadores ou outros instrumentos tecnológicos; e o plano B, aula ‘tradicional’ não planeada em primeira instância pelo professor”. 

Outra questão abordada no relatório do CNE é o envelhecimento da classe docente, bem como o aumento do número de atestados médicos, e o aumento de 88% do número de docentes a recorrer à mobilidade por doença. Filinto Lima fala numa profissão de desgaste rápido e que, por isso, poderia haver a possibilidade de, a partir dos 60 anos e até à reforma, os professores terem a hipótese de optar pelo exercício de funções não letivas. “Ao nível do pessoal docente tratou-se de um ano em que, muito provavelmente, o número de baixas médicas por depressão (efeito do implacável burnout) foi dos mais elevados, ao ponto de, no início do ano, os visados ainda não se encontrarem aptos para regressar ao serviço, aguardando a convocação para Junta Médica”, repara. 
“A escola cada vez mais é o elevador social, sobretudo das classes desfavorecidas, mas ainda há um longo caminho a percorrer, para atenuar tamanha disparidade”, sublinha Filinto Lima que tem vindo a defender a revisão do modelo de acesso ao Ensino Superior e que seja feito um debate sério e criterioso em torno do assunto. O professor recorda, a propósito, que o diretor para a Educação da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), Andreas Schleicher, referiu que o atual modelo está, neste momento, refém dos exames nacionais realizados num ciclo de estudos “sem identidade própria.”

Repetição de conhecimentos redundantes 

A possibilidade de acabar com o 2.º Ciclo não desagrada totalmente à Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE). Essa mudança implicará uma revisão profunda da Lei de Bases do Sistema Educativo, o que poderá não ser muito fácil neste momento. “De facto, e não alterando a atual estrutura dos outros ciclos, a existência de um 1.º Ciclo com seis anos é um modelo experimentado com sucesso em boa parte dos países europeus e pode ser resposta a um dos problemas fulcrais usualmente identificados por professores e encarregados de educação, como é o problema da dificuldade de transição, aos 9/10 anos de um modelo em que há um só professor titular, para um modelo em que lecionam vários professores”, refere Manuel Pereira, presidente do ANDE, ao EDUCARE.PT. 
Na sua opinião, essa mudança será mais tranquila por volta dos 12 anos, período de maior maturidade intelectual e física. “Esta alteração de fundo provocaria, talvez, alguns problemas em termos de adaptação da classe docente mas também obrigaria a um processo de adaptação proactivo que poderia resultar muito positivamente. Efetivamente a grande maioria dos professores que lecionam o 2.º Ciclo é, em termos de formação inicial, professor do 1.º Ciclo com variantes diversas”.
O CNE propõe a criação de uma instituição, um órgão ou departamento que se dedicasse a tempo inteiro ao desenvolvimento curricular. A estabilidade é fulcral. A revisão regular de algumas áreas dos programas de várias disciplinas é, para a ANDE, uma atitude acertada, útil e necessária por várias razões. Para adaptar os currículos aos novos conhecimentos e às novas tecnologias, para acabar com a repetição de conhecimentos redundantes que se cruzam ao longo dos anos de escolaridade e nas mais diversas áreas disciplinares, independentemente, realça Manuel Pereira, “de muitos desses conhecimentos estarem também completamente desfasados relativamente aos grupos etários dos alunos a que se destinam”.
Para a ANDE, é urgente redimensionar as cargas curriculares, torná-las mais apetecíveis, mais racionais e mais adaptadas às idades dos alunos a que se destinam. E fundamental tornar os currículos mais práticos, mais experimentais, menos teóricos e menos extensos de modo a garantir o tempo necessário para os apreender, assimilar e compreender. “A criação de uma instituição que se responsabilizasse por essas áreas talvez pudesse contribuir para uma maior racionalização e modernização do sistema educativo”, realça Manuel Pereira. 

A décalage que afasta alunos e professores
“A escola que temos continua a reproduzir socialmente os seus alunos. É incontornável. De facto, e não obstante o grande esforço dos diversos atores educativos, continua a haver uma enorme incapacidade de intervenção a montante. As famílias continuam a ser as principais responsáveis pelos diversos comportamentos sociais dos seus educandos, seja em termos de aprendizagem, em termos de expetativas ou em termos de definição de horizontes e por muito que a escola faça, é sempre preciso encontrar outras soluções junto de algumas famílias que podem passar por apoios sociais, criação de emprego ou acompanhamento técnico das mesmas”, alerta o dirigente. 
Apesar dos esforços, tem sido difícil diluir as diferenças e garantir a igualdade e equidade que a Constituição exige. Muito se conseguiu, mas muito há a fazer. “Continuamos, contudo, a ser testemunhas de crianças que chegam à escola pouco cuidadas, mal alimentadas ou mal vestidas. Continuamos a assistir, nas escolas, à proverbial redução de meios humanos ou outros e, sem dúvida, percebemos que esta situação, infelizmente, se irá manter por muitos anos”. 
A Ação Social Escolar tem sido um apoio importante na redução das desigualdades. “Mas temos consciência que muito resta a fazer até chegar o dia em que a proveniência social das crianças deixe de ser o elemento mais marcante no processo de aprendizagem e concomitante sucesso educativo dos mesmos”. “As escolas precisam de mais recursos humanos e técnicos. Precisam de mais meios efetivos de forma a poder acompanhar os alunos também junto das famílias. Precisam de ser mais valorizadas e socialmente mais acreditadas. É pela Educação que vamos!” 
Neste momento, um dos maiores problemas que a escola atravessa é a distância de idades entre alunos e professores. A idade média dos educadores de infância aproxima-se dos 55 anos e a dos docentes do 1.º Ciclo ultrapassa os 50. Para Manuel Pereira, “esta décalage afasta uns e outros nomeadamente em termos psicológicos e em termos de relacionamento imediato”. “De facto, neste momento, os alunos do pré-escolar e do 1.º Ciclo, genericamente, olham os respetivos professores como estando, em termos etários, próximos dos seus avós com toda a carga psicológica que tal acarreta nomeadamente em termos comportamentais”. 
Fonte: Educare

sábado, 8 de dezembro de 2018

Nota 5 para os excecionais


Seria um excelente presente de natal ponderar pensar numa mudança educativa

Por
MANUELA PARENTE
08 DEZ 2018 / DN-Madeira



São cada vez mais as crianças e jovens que desenvolvem níveis de ansiedade disfuncionais associados aos níveis de exigência da escola/família.
Um menino de 7 anos disse-me uma vez, em contexto de consulta, que tinha muitas saudades do tempo em que frequentava o infantário. Recordava os dias que os pais o iam buscar à escola e o tempo que tinham em conjunto para fazer coisas diferentes. Até em casa tudo era mais calmo, sublinhava ele, “agora é só gritos e tudo a correr”.
São também cada vez mais os pais que nos surgem ansiosos e desorientados com as chamadas de atenção constantes da escola em relação aos filhos nomeadamente em crianças e jovens com bons resultados escolares e comportamento aceitável, tendo em conta o ensino tradicional que se mantém.
Tudo isto faz-me lembrar uma professora do terceiro ciclo, de uma escola pública, que considerava que um aluno de nível 5 tinha de ser um “aluno excecional, em tudo”.
A escola é importante, mas não a coisa mais importante da vida. A família é muito mais do que a continuidade da escola e não pode nem deve permitir-se assumir esse papel. O modelo educativo atual, do primeiro ao terceiro ciclo, está, na maioria das situações, completamente desajustado.
Vivemos num tempo em que tudo se quer rápido e eficaz, onde os adultos conscientes das suas naturais fragilidades, muitas vezes a rondar a nota três menos, esperam dos mais novos resultados surpreendentes e completamente desajustados da realidade que lhes é oferecida.
Voltando ao “aluno excecional em tudo” para obter nota 5. Estes alunos, felizmente raros, e salvaguardando algumas exceções, não são crianças felizes. São crianças com mais facilidade em se adaptarem às exigências do sistema que se isentam de manifestar o seu desagrado por aquilo que as incomoda, perturba e adoece. Infelizmente o ensino continua a não querer entender a sua inadequabilidade e insiste em espalhar tensão no dia a dia das rotinas das crianças e das famílias com consequências graves na saúde mental de todos.

Uma jovem de 16 anos, considerada excecional pelos seus professores, disse-me uma vez, após ter tirado nota 20 à disciplina de matemática, que não se sentia feliz, apenas tinha tirado a nota para a qual se tinha preparado. Outros jovens, acompanhados igualmente em consulta por motivos relacionados com ansiedade e pressão escolar e familiar, referem que só sentem que cumpriram os objetivos quando atingem resultados entre o 17 e o 20.

Esta gente não aprendeu isto do nada, alguém lhes ensinou que ser bom é o tal cinco, o aluno excecional, forçando-os a perceber que tudo o que está à volta e não cumpre o padrão é medíocre e como tal vai ter um futuro pobre e triste. Será assim?
Afinal, criam-se turmas especiais para captar alunos com dificuldades de motivação e desempenho escolar, acrescentam-se os cursos profissionais, sublinha-se a importância das alternativas e continua-se com este discurso triste e pobre dos bons e dos maus.
Sendo que o governo regional pretende ser inovador e justo nas suas iniciativas e tomadas de posição, seria um excelente presente de natal ponderar pensar numa mudança educativa que esquecesse os alunos excecionais e se centrasse na valorização das diferenças, permitindo a cada um sentir-se integrado e valorizado nas suas competências individuais usando-as no contexto da aprendizagem. As pessoas iam ficar mais felizes e a região a médio prazo ia começar a poupar nas despesas com a educação, a saúde e a justiça.

NOTA
Artigo publicado na edição de hoje do DN-Madeira.

COMENTÁRIO

A QUESTÃO DO SISTEMA EDUCATIVO É MUITO MAIS COMPLEXA DO QUE APRESENTAR NÚMEROS E PALAVRAS DE CIRCUNSTÂNCIA

Há muitos meses que não vivo no Funchal, porém acompanho o dia-a-dia. Ontem regressaram as designadas "Conferências do Casino", desta feita sobre "Educação".
Por princípio tenho sempre em consideração e como boa informação, sublinho, a síntese que qualquer bom jornalista traz aos eleitores. Pelo que, a peça assinada pelo Jornalista Jorge Freitas Sousa, publicada na edição de hoje do DN-Madeira, transmitiu-me que aquilo que os palestrantes sublinharam correspondeu a uma "chuva no molhado". 
Todos sabemos que há um decréscimo no número de crianças, embora existam sinais de alguma recuperação da natalidade, e são conhecidas também as estatísticas de vários itens, muitos deles ali intencionalmente ignorados pelo secretário da Educação porque envergonham a Região. Mas dou isso de barato, uma vez que conheço a diferença entre o que diz e o que pratica.
Ora, nas questões essenciais do sistema educativo, repito, a partir da síntese que li, concluí que tal conferência não trouxe nada de novo. Se tivesse havido um rasgo de coragem, alguma eloquência sustentada, evidentemente que o jornalista tinha trazido à colação o pensamento inovador dos convidados. O sistema educativo é muito mais complexo do que apresentar números e palavras de circunstância. 
Em síntese, continuam a caracterizar o "onde estão", mas não se atrevem a dizer onde querem chegar e que passos terão de ser dados para lá chegar. É que isso mudaria tudo, desde os currículos aos programas, desde a questão pedagógica à estrutura organizacional dos estabelecimentos de aprendizagem, passando, obviamente, por novas políticas sociais integradas a montante da escola. 
Neste contexto, o artigo de opinião da Psicóloga Manuela Parente, também publicado na edição de hoje do DN-Madeira, pareceu-me valer mais que a conferência. São palavras suas: "(...) Seria um excelente presente de natal ponderar pensar numa mudança educativa (...)". O problema é exactamente esse, mexer no âmago e não nas margens.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

BULLYINGS, HIPERATIVIDADES & AFINS!


Por
Lurdes Veríssimo
Docente da Faculdade de Educação e Psicologia da Católica no Porto

No passado dia 20 de outubro celebrou-se o Dia Mundial do Combate ao Bullying. Combate? Estaremos implicitamente a veicular a lógica de um problema inevitável, que depois se combate?… Fiquei a pensar nisso. Pelos mesmos dias reli um artigo que recuperava a questão da hiperatividade, sinalizando que num período de 11 meses do ano passado se venderam em Portugal 254 mil embalagens de medicamentos para a hiperatividade. O que é que este número nos diz?... Fiquei a pensar nisso.


O que terão estas duas situações em comum? Parece-me que as nossas crianças e jovens nos estão a dar muitos sinais, aos quais não estaremos devidamente atentos… Se estivermos perante reais situações de bullying, estamos a falar de crianças e jovens que intencionalmente provocam sofrimento no colega, recorrendo a abuso físico ou psicológico de forma continuada. Mas porque a situação se perpetua, estamos também a falar de crianças e jovens com dificuldade em lidar com as ameaças, de comunicar eficazmente e denunciar.
Excluamos agora as crianças e jovens que reúnem os critérios para um efetivo diagnóstico de Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção (PHDA). Claro que a situação da PHDA é complexa e controversa, e as perspetivas podem variar, conforme esteja a ser equacionada uma visão médica, psicológica, farmacológica ou pedagógica. E cada qual “puxa a brasa à sua sardinha”. Eu puxo a brasa à minha, enquanto psicóloga: existem muitos falsos diagnósticos, e em muitas situações confundir-se-ão questões clínicas com questões desenvolvimentais. Na verdade, temos muitas crianças e jovens que manifestam intensas dificuldades em autorregular o comportamento, em controlar o impulso, ou focar a atenção, e que, no entanto, não se encontram numa situação clínica de PHDA. Diria que são a maioria. São crianças que conseguem autorregular-se quando a tarefa a realizar é gratificante e do seu interesse, mas nas situações que exigem capacidade de lidar com a frustração ou implementar esforço, manifestam uma grande dificuldade.
O que se passa afinal?! O que têm em comum agressores, vítimas de bullying e crianças que não tendo PHDA manifestam comportamentos hiperativos?!

Por isso, o bullying não é para combater, nem os falsos diagnósticos de hiperatividade para medicar. Estamos antes a falar de situações que têm de ser seriamente prevenidas, através da estimulação intencional de competências socioemocionais, que permitirão, por exemplo, que as crianças lidem com a frustração de forma mais adaptativa, autorregulem o seu comportamento, empatizem umas com as outras, comuniquem assertivamente…. Vamos, por favor, estar todos (Pais, Professores, Políticos, Educadores em geral…) mais atentos a isto, e intencionalizar o reforço do sistema imunitário psicológico das nossas crianças e jovens? Sim, é difícil. Mas valerá muito a pena.

1. O bullying, os comportamentos hiperativos ou outros fenómenos que parecem estar a aumentar na infância e adolescência (como a indisciplina, ansiedade ou a depressão) constituem-se como um alarme a tocar que insistimos em não ouvir. O alarme que nos diz que as nossas crianças e jovens parecem ter um desenvolvimento socioemocional cada vez mais imaturo, e incompatível com as exigências do seu dia-a-dia. 
2. Estamos, portanto, a falar de muitas competências diferentes necessárias para compreender e gerir emoções, definir e atingir objetivos, sentir e mostrar empatia pelos outros, estabelecer e manter relações sociais positivas e tomar decisões responsáveis. O modelo CASEL (Collaborative for Academic, Social and Emotional Learning) organiza esta diversidade de competências. Para quem quiser, pode ver mais aqui.
3. É fundamental ter uma abordagem dinâmica e compreensiva do desenvolvimento das crianças e dos jovens. Temos assistido a muitas mudanças sociais, nomeadamente demográficas (p. ex. mudanças na estrutura das famílias) ou tecnológicas (p. ex. forma de ocupar os tempos livres) que têm impacto no desenvolvimento. As competências desenvolvidas a jogar na Playstation são diferentes das competências desenvolvidas a jogar pião na rua. Evitem-se discursos moralistas e regressivos. Não estamos a falar de ser melhor ou pior. Estamos a falar de mudanças que naturalmente têm impacto no desenvolvimento e que não podemos desconsiderar.
4. Não podemos desconsiderá-las porque o desenvolvimento socioemocional é como um músculo. Treina-se. Desenvolve-se. Aprende-se a ser socioemocionalmente competente. E se o quotidiano não cria naturalmente tantas oportunidades de desenvolvimento, estas terão de ser intencionalizadas.
5. Apesar de a OCDE enfatizar o “poder” do desenvolvimento de competências socioemocionais e de o Ministério da Educação e da Ciência valorizar este tipo de competências integrando-as implicitamente no Perfil de Saída dos Alunos à saída da Escolaridade Obrigatória (Despacho n.º 6478/2017, 26 de julho), a verdade é que Portugal não tem ainda uma política educativa sistemática e producente a este nível. Ficamos então dependentes da qualidade das práticas parentais, de serviços de psicologia em contexto escolar reforçados, e de professores de excelência (e há muitos), que intencionalizam o desenvolvimento destas competências na prática pedagógica quotidiana.
6. E ainda bem que o fazem, porque o desenvolvimento socioemocional é o sistema imunitário psicológico das crianças e dos jovens. Há muita evidência científica disso mesmo. Uma metanálise de Durlak e colaboradores, já de 2011, comprova que a estimulação das competências socioemocionais promove: 1) Aumento da realização académica (p. ex., melhores notas escolares); 2) Melhoria do ajustamento atitudinal e comportamental (p. ex., capacidade de se automotivar); 3) Diminuição de problemas de comportamento (p. ex., agressividade); e 4) Diminuição de mal-estar psicológico (p. ex., ansiedade e depressão). Não é isto que queremos para nossas crianças e jovens?
Por isso, o bullying não é para combater, nem os falsos diagnósticos de hiperatividade para medicar. Estamos antes a falar de situações que têm de ser seriamente prevenidas, através da estimulação intencional de competências socioemocionais, que permitirão, por exemplo, que as crianças lidem com a frustração de forma mais adaptativa, autorregulem o seu comportamento, empatizem umas com as outras, comuniquem assertivamente…. Vamos, por favor, estar todos (Pais, Professores, Políticos, Educadores em geral…) mais atentos a isto, e intencionalizar o reforço do sistema imunitário psicológico das nossas crianças e jovens? Sim, é difícil. Mas valerá muito a pena.
Fonte: Público

segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

REPENSAR A ESCOLA


Por
Adriana Campos
13-06-2018


O que sinto é que o desenquadramento entre o mundo atual e a velha escolinha começa a causar danos.


Tenho a sensação iminente de que a escola, tal como está concebida atualmente, está muito perto da rotura, do abismo. A qualquer momento, tal como uma bomba, poderá explodir. Se a explosão é necessária para que a mudança ocorra, então o melhor mesmo é que o rebentamento esteja para breve!!! Na verdade, o que sinto é que o desenquadramento entre o mundo atual e a velha escolinha começa a causar danos. Querer que os alunos aprendam como no passado, seguindo cegamente as mesmas fórmulas, não pode trazer resultados muito positivos. Espero que, na história do futuro, se fale da revolução escolar, tal como ainda se fala hoje no poder transformador da revolução industrial. 
Uma revolução escolar, dada a sua evidência, não precisa de retórica para se fazer notar. Reformular a escola, encontrar fórmulas que a tornem novamente motivadora, é urgente. Não vale a pena, como já vi, tentar motivar os alunos apresentando vídeos com exemplos de crianças que, apesar de fazerem longos e penosos percursos para frequentar a escola, adoram lá estar. A realidade dessas crianças não é a realidade das que assistem a esses vídeos nem a dos seus professores e, por isso, esses exemplos terão um efeito nulo na mudança!
Há muito tempo que sonho com uma escola em que os alunos tenham aulas apenas da parte da manhã, ficando a tarde disponível para o reforço das aprendizagens e para o desenvolvimento de outras atividades, nomeadamente de âmbito artístico e também de estudo individual (verdadeiramente) orientado. A escola que continua a preencher o horário dos alunos com um número infinito de disciplinas e que espera que estes ainda vão para casa estudar não está, certamente, em sintonia com um mundo em que os pais têm longos horários de trabalho, os avós estão cada vez menos disponíveis e o dinheiro não sobra para os centros de estudo.

Ontem assisti a uma representação teatral, muito interessante, feita por uma turma do 3.º ano, cujo tema era “As nossas origens”. No final, a professora referia o quanto foi difícil arranjar tempo para preparar a representação, porque os programas são extensos e não deixam espaço para atividades criativas como a expressão dramática… Num mundo que valoriza uma enorme diversidade de competências, continuamos centrados na memorização de conteúdos.

Não nos podemos também esquecer de que uma escola cujo reforço das aprendizagens depende da retaguarda familiar só acentua a desigualdade e reforça a adversidade daqueles que vivem em situações menos favoráveis, cujas famílias vivem na luta pela sobrevivência, que as leva a deixar a escola num plano secundário. Dizia recentemente uma mãe a propósito dos trabalhos de casa: “Como quer a professora que a minha filha faça os trabalhos de casa? Ela não os sabe fazer e eu também não sei explicar-lhe! No 4.º ano eles dão ‘coisas’ que eu nunca aprendi.” Conheço bem esta família e, por isso, sei que as palavras desta mãe correspondem à verdade, embora a professora continue a apontar o dedo à família e a considerar grave o não cumprimento do TPC.
Nesta minha escola pós-revolução haverá certamente um maior uso das novas tecnologias. O mundo profundamente digital em que vivemos não pode ficar na prateleira quando se entra na escola, pois a ausência da tecnologia transporta-nos para uma era quase pré-histórica, o que gera, certamente, um sentimento de estranheza e desenquadramento. Há muitas escolas com poucos computadores e com sérias dificuldades de acesso à Internet, o que certamente não é nada compatível com a realidade atual.
Importante será clarificar que, nesta escola - a nova, cujo nascimento ainda não ocorreu -, deverá também haver espaço para trabalhar as emoções, nunca esquecendo o papel-chave destas no processo de aprendizagem. Num ano como o 7.º, em que abundam cabeças confusas desestabilizadas por hormonas oscilantes e corpos em permanente mutação, nas quais é importante estabilizar o humor, fará sentido que se aumente ainda mais o número de disciplinas? Sinceramente, tenho as minhas dúvidas… o número de retenções neste ano de escolaridade, extremamente elevado ao nível nacional, reforça as minhas questões.
Outras ideias me ocorreram, mas já excedi o meu “tempo de antena”. Por isso, fico na expectativa de que a revolução venha mesmo a ser uma realidade a curto prazo, com estas e outras medidas.

ADRIANA CAMPOS
Licenciada em Psicologia pela Universidade do Porto, na área da Consulta Psicológica de Jovens e Adultos e mestre em Psicologia Escolar. Detentora da especialidade em Psicologia da Educação e das especialidades avançadas em Necessidades Educativas Especiais e Psicologia Vocacional e de Desenvolvimento da Carreira atribuída pela Ordem dos Psicólogos Portugueses. Atualmente desenvolve a sua atividade profissional no Agrupamento de Escolas do padrão da Légua em Matosinhos.

quarta-feira, 28 de novembro de 2018

ESCOLA ENCURRALADA


Um artigo de
Vera Gouveia Barros
24 Novembro 2018

A autonomia deveria permitir às escolas seleccionar aqueles docentes cujas características, qualidades e experiência melhor se adequassem ao seu projeto educativo.

No meu penúltimo artigo, deixei a promessa de, em texto futuro, me debruçar sobre a reforma do funcionamento das escolas. Ora, há uns dias, deparei-me com um artigo de Bárbara Reis sobre o professor Joaquim Sousa. O nome provavelmente não será reconhecido. É natural. O professor Joaquim Sousa era “apenas” o director da Escola Básica do Curral das Freiras, o estabelecimento de ensino que, em 2010, ocupava o 1209º lugar do ranking, para, em 2017, ter ficado em 275º e 318º lugar, respectivamente, nos exames do 9º ano de Português e de Matemática.
O número 8 da revista “XXI Ter Opinião”, devotado ao tema da igualdade, dedicou um artigo a este caso de sucesso. Nele, Joaquim Sousa explica o que fez: na avaliação, o conhecimento da matéria passou a valer 90%, quando antes representava 60% (vindo os restantes 40% do comportamento, da assiduidade, da participação); eliminou o toque de campainha; os alunos tinham menos uma hora livre que nas demais escolas e os horários foram conciliados com o dos autocarros; desapareceram os trabalhos de casa, mas reforçaram-se os apoios nas disciplinas nucleares.

É esta a receita para o êxito? Resultou no Curral das Freiras, local isolado, com uma orografia pouco amistosa, uma das freguesias mais pobres da Madeira, onde a grande maioria dos alunos aufere Acção Social Escolar e tem pais com reduzida escolaridade. Mas não é uma fórmula de aplicação universal. Num meio diferente, com um contexto sócio-económico distinto, os resultados provavelmente seriam outros. E, por isso, as escolas precisam de autonomia.

Em Portugal, as escolas gozam de um regime de autonomia desde 1989. Teoricamente, pelo menos. O Decreto-Lei n.º 43/89 veio instituí-lo. No seu preâmbulo pode ler-se que “entre os factores de mudança da administração educacional inclui-se, como factor preponderante, o reforço da autonomia da escola”. Já o Decreto-Lei n.º 115-A/98 começa com a frase “A autonomia das escolas e a descentralização constituem aspectos fundamentais de uma nova organização da educação”, ideia que vamos reencontrar, sob outra formulação, no Decreto-Lei n.º 75/2008.
Na prática, passados quase 30 anos e três diplomas, Portugal continua a ter um sistema de ensino muito centralizado, em que é o Estado a tomar três quartos das decisões que afectam as escolas. Quem o diz é a OCDE, no Education at Glance 2018, documento que, na comunicação social, foi destacado por afirmar que os professores portugueses eram mais bem pagos que outros profissionais com o mesmo nível de qualificações.
E não creio que o Decreto-Lei n.º 55/2018, aprovado em Julho passado, venha operar uma verdadeira reforma neste domínio. Estendendo a todos os estabelecimentos de ensino o Projecto de Autonomia e Flexibilidade Curricular (implementado como experiência-piloto em 2017/18), deu às escolas o poder de, nomeadamente, gerir até 25% da carga horária do currículo escolar, desdobrar turmas, organizar o funcionamento das disciplinas (por exemplo, anuais ou semestrais), combiná-las e adoptar uma perspectiva multidisciplinar.
Pode ser pessimismo meu, mas entendo que a autonomia das escolas fica esvaziada se estas não tiverem capacidade para gerir os seus recursos humanos, a começar logo pela sua escolha. No oitavo episódio do programa Fronteiras XXI, intitulado “De Que Escola Precisamos?”, Joaquim Sousa não deixou de referir a dificuldade que a constante mudança de corpo docente lhe trouxe enquanto director da EB123 com Pré-Escolar do Curral das Freiras.
Uma instabilidade que afecta igualmente os professores, que estão constantemente a mudar de escola, sendo colocados ora no Algarve ora no Minho. Vendo as coisas por esse prisma, talvez não seja, afinal, uma profissão assim tão bem remunerada. E já se percebe que seja tão pouco cativante.
Mas o pior são as externalidades negativas decorrentes dessa falta de vínculo para a própria qualidade da Educação. Uma pessoa que não se identifica com a orientação educativa do estabelecimento de ensino que lhe calhou no concurso nacional de professores, que não se revê nos seus princípios, nos seus valores, nas estratégias adoptadas, dificilmente será um profissional totalmente comprometido e empenhado.
Parece-me, pois, que seria importante mudar a forma de contratação dos professores. A autonomia deveria permitir às escolas seleccionar aqueles docentes cujas características, qualidades e experiência melhor se adequassem ao seu projecto educativo, como, de resto, acontece com quase todas as organizações, incluindo da Administração Pública. E, claro, exemplos de dedicação como o de Joaquim Sousa devem ser enaltecidos e incentivados, devidamente reconhecidos.
Estranhamente, a Secretaria da Educação decidiu integrar a escola do Curral das Freiras na escola básica de Santo António, no Funchal. Retirou-lhe a autonomia que lhe permitiu transformar-se num caso de sucesso nacional e afastou o seu director, recentemente reeleito.
“São miúdos, iguais aos outros miúdos, e têm direito a ter os mesmos sonhos.”: era isto que dizia Joaquim Sousa a quem chegava para ensinar na escola do Curral das Freiras. Aparentemente, ele é que não tinha direito ao seu sonho de mostrar que “a escola é, por definição, um elevador social”.

Nota: A autora escreve segundo a ortografia anterior ao acordo de 1990.
Disclaimer: As opiniões expressas neste artigo são pessoais e vinculam apenas e somente a sua autora.
Publicado neste endereço
https://eco.pt/opiniao/escola-encurralada/?fbclid=IwAR3HFtDtiqyVVi8ecBvBI37gmpiux0JkvC7Waz1oyXqd-0KF7EtNmB5q_IA

terça-feira, 27 de novembro de 2018

FLEXIBILIDADE: HÁ QUEM ANDE AOS PAPÉIS* POLITICAMENTE SEM RUMO


O Professor Hélder Lopes (Universidade da Madeira) assina, na edição de hoje do DN-Madeira, um artigo de opinião que titulou por "Flexibilidade". Li e considero, mais do que uma chamada de atenção, um tiro no centro do alvo. Deixo aqui um excerto.


"(...) Obviamente que só os mais distraídos (para ser simpático) é que acreditam que o dito insucesso em algumas disciplinas se resolve com mais horas. Talvez estejam mais interessados em corporativamente valorizar a sua área...
É sobejamente conhecido que o problema é mais amplo e radica fundamentalmente no facto do sistema educativo ainda manter a matriz do século do XIX... No fundo um sistema (do básico ao universitário) avesso a processos dinâmicos.
O que não deixa de ser surpreendente (ou talvez não) é que ao nível do discurso ainda temos o descaramento de reconhecer e apregoar que o mundo mudou e continua a mudar de forma acelerada, mas ao mesmo tempo continuamos a dizer que no nosso tempo é que era bom ... pelo menos no que concerne ao ensino... em que é que ficamos?
Não nos devemos esquecer, tal como noutras alturas alertámos que, neste tipo de problemática em termos profissionais, não conhecer as alternativas que existem ao que está instituído é demonstrativo da mais elementar ignorância. Que conhecer alternativas que sejam viáveis e mais adequadas aos objetivos visados e não as saber implementar se trata de incompetência. Que conhecer alternativas viáveis, saber implementá-las e não o fazer é muito provavelmente um indicador de desonestidade... (...)"
Ilustração: Google Imagens.
* "não conseguir resolver um problema ou encontrar solução para ele".

segunda-feira, 26 de novembro de 2018

"AMBIENTES INOVADORES DE APRENDIZAGEM"


Julgo que para qualquer professor, sensibilizado para as grandes questões da Educação, a paciência esgota-se sempre que o governo da Madeira aborda este sector. Ontem, li um texto que me fez situar na meia-noite de 31 de Dezembro: o fogo que ilumina o anfiteatro do Funchal e que logo se apaga, continuando tudo na mesma, apesar dos bem intencionados votos. O secretário resolveu fazer mais um disparo, através de uma iniciativa denominada por "Ambientes Inovadores de Aprendizagem". Sublinhou coisinhas que todos dominam: os alunos "já nascem com a tecnologia, pertencem à população digital e terão trabalhos altamente tecnológicos (...) temos de "prepará-los para esses desafios profissionais" (...) "muito diferentes dos padrões a que estávamos habituados". Só não falou do projecto que implicará colocar tudo em causa... simplesmente, porque não existe projecto.

Esta parte essencial da sua intervenção na Escola Secundária Jaime Moniz é desesperante. É mais um tirinho, quando o sector da Educação não subsiste com paleio pontual, em um constante faz-que-anda-mas-não-anda. Decididamente, tenha o governante consciência disto, o problema não está em dotar as escolas de algumas centenas de computadores, para substituir muitos velhíssimos e outros inoperacionais. Tampouco o sistema não se altera apenas por falar de robótica. O problema está, fundamentalmente, na criação de um PROJECTO global para a Região e não em decisões e acções meramente pontuais, desfazadas desse tal "ambiente inovador de aprendizagem". Esse projecto global não existe. Se existisse, há muito que seria tema de debate político e público, para não falar da ânsia de "mostrar serviço". Não existe pensamento político sobre esta matéria e a prova está, passados três anos de mandato (fora os outros) é a rotina, a crescente privatização do sector e o controlo absoluto sobre as escolas e os professores que dominam. Não existe, repito, qualquer "projecto inovador". Aliás, em um à parte, só seria "inovador" se nunca tivesse sido realizado antes, o que não é verdade. Existem projectos em muitos países, relatórios, dissertações e posições muito claras oriundas de vários autores, pensadores e instituições. Portanto, na lógica da Alice na "Região das Maravilhas", quando não se sabe para onde se caminha, qualquer caminho serve. É o que, desde há muito, acontece. Daí ter falado, também, das "salas de aula do futuro". Tratou-se de um outro tirinho porque, a propósito, seria importante conhecer se os projectos dos novos estabelecimentos do Porto Santo e da Ribeira Brava tiveram em conta a arquitectura das tais "salas de aula do futuro". Adiante.
Li, vai para dois anos, uma importante entrevista a Pepe Menéndez, diretor adjunto da Fundació Jesuïtes Educació, da Catalunha. Entre muitas outras, arquivei-a e dela já me socorri algumas vezes. Tenham os leitores em consideração esta parte que aqui deixo, apenas a título de exemplo (existem muitos outros):

"(...) O provincial dos jesuítas pediu-nos há sete anos que fizéssemos a Ratio Studiorum do século XXI: se os jesuítas foram o motor de um modelo educativo, então agora mudem-no em profundidade. Pareceu-nos um desafio muito motivador. Pode parecer um pouco naïf, mas o modelo é mudar o olhar. Em vez de ver as coisas de perto, abrir os olhos e tentar ver o que no século XXI pode fazer crescer uma pessoa num ambiente de globalização, tecnologia, com tanta incerteza. O filósofo [Zygmunt] Bauman fala de um mundo líquido. Neste contexto, como posso ligar-me ao coração dos alunos, à sua motivação?

Como chegaram a este modelo e porquê escolher este e não outro?

É uma tradição dos jesuítas. O nosso delegado mundial de educação disse: nós vamos ao supermercado da pedagogia, apanhamos o que nos agrada e com isso fazemos um modelo. O nosso modelo é sincrético. A Ratio Studiorum já foi assim, um pouco daqui, um pouco dali. Fomos conhecendo modelos diferentes, vimos escolas e fomos agarrando o que nos agradou. Fomos construindo um puzzle, mas as peças têm de encaixar, não podem ser...

... incompatíveis?

Exato. Aplicamos uma parte da [Teoria] das Inteligências Múltiplas (Howard Gardner, 1985, Harvard), uma parte da aprendizagem baseada em problemas, uma parte do trabalho colaborativo, e fazemos um ecossistema. O nosso modelo baseia-se muito no trabalho interdisciplinar por projetos.

Como escolhem os projetos?

Primeiro houve uma fase de pegar na tesoura e no currículo e começar a cortar. O currículo é excessivo, demasiado grande, mas não podes perder os elementos essenciais, tens de garantir que o aluno os aprende. Juntámos um grupo de professores e dissemos: têm de estabelecer prioridades nos conteúdos do currículo. Esse trabalho durou dois anos. Não foram dois meses, foram dois anos. Porque começam a priorizar e só cortam uma parte, e é preciso reduzir mais. O mais importante é garantir que os alunos aprendem os conteúdos. Precisamos de mais tempo, porque precisamos de uma metodologia muito mais construtivista. (...)"

Exemplo de uma antiga sala face aos novos espaços.
Sublinho, levaram alguns anos para dar forma a um novo paradigma, no quadro de uma educação transformadora. Reflectiram, escutaram, visitaram e produziram um novo paradigma de aprendizagem. "Nas actividades propostas, o grupo foi incitado a refletir sobre três questões fundamentais: que escola queremos? Que futuro desejamos? Como deve ser a escola em 2020? (...) Ao todo, foram apresentadas 56 mil ideias. Dessas, 17 propostas foram selecionadas para servir de base para a formulação do modelo sincrético (...)". Deitaram abaixo paredes de salas tradicionais, transformando-as em espaços de conhecimento através de projectos conjuntos, eliminaram a ideia de disciplinas separadas, testes, horários e trabalhos de casa. Tiveram a coragem de "romper com a ideia tradicional de que o professor dá o ensinamento. Definiram que, agora, ele é companheiro e o aluno é protagonista da aprendizagem". 
E assim, "(...) no que sobra do horário, há projectos para concretizar. Os alunos conhecem os objectivos, sejam semanais ou mensais. Eles sabem onde têm de chegar, mas cada um é livre de escolher o caminho para chegar à meta. Esta é a mais-valia deste modelo", defende Jordi López. Daqui se conclui que a definição de um novo paradigma leva, seguramente, alguns anos e, naturalmente, muito investimento desde a transformação dos espaços de aprendizagem até à própria mentalidade vigente. O grande trabalho na Educação é para o aluno, jamais deve ter os governantes como protagonistas. 
Depois, do que li, emerge um outro erro, quanto a mim grave porque desadequado, o de querer controlar tudo até o processo de formação. Li a preocupação de formar "(...) professores para que se familiarizem com este conceito e possam ajudar os alunos" (...) isto é, há que "saber como funcionar, como actuar com essa componente que não fez parte da nossa experiência enquanto estudantes, para nos enquadrarmos, usufruirmos e tirarmos o máximo proveito das tecnologias". Ficou-me claro que, uma vez mais, o processo não nasce de baixo para cima, mas ao contrário. Simplesmente porque os cordelinhos têm de estar nas mãos do governante. Melhor seria que descentralizassem e deixassem os professores organizarem a sua escola. Porque eles não são mentecaptos, uma esmagadora maioria sabe o que quer, apenas está amarrada à portaria, à circular, ao despacho, a uma intencional parafernália burocrática limitadora de qualquer projecto proveniente do debate interno. Amarrada, também, à ausência de investimento. O resto, convenhamos, está tudo ou quase tudo em qualquer motor de busca da Internet e no youtube. Mas é esta mania do medo da descentralização (eles não são capazes sozinhos) que prevalece, cujo exemplo mais recente ficou demonstrado na fusão da Escola do Curral das Freiras, quando esta apenas desejava fazer diferente. E fez! Porém, em vez de potenciarem, destruíram-na! Em vez de a utilizarem como experiência piloto, bloquearam a sua autonomia pedagógica.
Finalmente, do tanto que me fica por escrever (não faltarão oportunidades) se eu estivesse no activo, há muito que tinha, cara-a-cara, perguntado ao secretário: diga-me lá para onde deseja seguir e que plano tem para lá chegar?
Ilustração: Google Imagens.

Nota
Esta pergunta fez-me agora lembrar um almoço que tive com uns generais e brigadeiros da Força Aérea. Um deles contou que, um dia, tinha estado em um jantar muito bem regado. De lá saiu muito confuso. O soldado motorista abriu-lhe a porta do "mercedes benz". Depois, perguntou-lhe: meu General para onde deseja que o leve? E o General respondeu-lhe: "segue a estrela".
Assim está a Educação. 

Texto publicado no blogue:
www.gnose.eu

sexta-feira, 23 de novembro de 2018

TODOS JUNTOS POR UM SISTEMA "BY THE BOOK"


Tenho muita dificuldade em decifrar as intervenções políticas do secretário da Educação do governo regional da Madeira. Normalmente fala, eu diria, sem nexo causal, com ausência de noção do que realmente deve ser o sistema educativo. No seu discurso utiliza uma mescla de palavras que ficam a meio caminho, com contradições e das quais nada resulta. Voltou a acontecer no quadro de um encontro sobre "Partilha de boas práticas em autoavaliação de escolas". No cumprimento desse número político, o secretário considerou que as boas práticas são "um fator de grande economia porque, se elas são boas, à partida, se as fizermos, estaremos a fazê-las bem", aproveitando experiências anteriores com vista á melhoria do sistema. - Fonte JM.


E fez questão de sublinhar o que o Governo Regional pretende: "que acima de tudo a Região possa ter um contexto favorável para o ensino e para a aprendizagem. Isso só será possível se nós estivermos todos envolvidos, se caminharmos todos com os mesmos incentivos e imperativos, mas, acima de tudo, se conhecermos bem a nossa realidade". Vou por partes, embora de forma muito breve.
Perante estas declarações coloco, desde logo, a pergunta: o que são "boas práticas" no sistema educativo? Ora, se o sistema, genericamente, mantém-se inalterável, porque não existe uma única ideia inovadora, logo, se as mesmas causas produzem os mesmos efeitos, as tais "boas práticas" não passam de um discurso vazio de significado no quadro do sucesso da aprendizagem. Complementarmente, o que são "boas práticas" quando não existem dois estabelecimentos de aprendizagem iguais, dois públicos iguais, duas populações iguais, dois núcleos de professores iguais? Sendo assim, parece-me óbvio, que as tais "boas práticas" são uma mistificação, pelo que não são nem devem ser generalizadas. Se entrarem será pela pancada do martelo com a subserviência dos órgãos dos estabelecimentos! 
Primeira conclusão: existe naquele discurso um erro grosseiro de avaliação de processo, quando ignora a autonomia dos estabelecimentos de aprendizagem, a dinâmica pedagógica que deverá nascer da sua específica comunidade educativa e um indisfarçável desejo de querer generalizar o que, nem em teoria, é defensável. É a política do "acho que...". Aliás, a língua do governante acabou por traí-lo quando sublinhou a ideia de "caminharmos todos com os mesmos incentivos e imperativos". (imperativo significa autoritário, arrogante, prepotente e expressa uma ordem).  Em síntese, todos juntos por um sistema "by the book". 
Mas existe uma segunda conclusão: o problema da centralização dos processos (um princípio da Sociedade Industrial), isto é, a defesa subliminar da teoria que desemboca em um princípio político: por razões várias, como não devo impôr, associo-me, faço de conta, generalizo, mas sempre com os cordelinhos na mão. Cai, assim, por terra a declaração que li: "(...) só através de um projeto educativo que corresponda aos diferentes contextos, poderemos atingir efetivamente o percurso de sucesso". Ora, esta frase é a contradição do que antes tinha afirmado, isto é, por um lado, manifestou o desejo em difundir as "boas práticas", generalizando-as, por outro, porque fica bem no plano político, dissertou sobre o respeito pelos "diferentes contextos". Em que ficamos? A plateia deve ter-se apercebido, porque é óbvio que não se pode generalizar e ao mesmo tempo falar de diferentes contextos. 
Finalmente, o governante ainda não entendeu (ou já percebeu mas não quer), que, para que o sucesso aconteça, necessário se tornará alterar, substancialmente, as traves-mestras do sistema, através de um novo paradigma que respeite a autonomia dos estabelecimentos de aprendizagem (organização diferenciada), o que implica fugir ao permanente desejo de controlar e esmagar tudo e todos. Isto passa por entusiasmar as direcções e todo o quadro docente no sentido de sonharem e criarem a escola que corresponda à actualidade do conhecimento, passa pela vivificação da formação que as mudanças implicam, passa pela desburocratização da função docente, passa pelos meios necessários à implementação dos projectos de cada escola e passa pela ideia maior que "não é a criança que tem de se adaptar à escola, mas a escola que tem de se adaptar a cada  criança" - ver filme de Pierre François Didek, Sonhar o Futuro - A Escola do Futuro/RTP2.
  Ah, e passa, também, por fazer um trabalho sério, a montante do sistema educativo, nas famílias e na sociedade em geral. Porque a escola recebe todas as assimetrias sociais, económicas e culturais.  
Tudo o resto é fantasia, é discurso político pobre e inconsequente, é marcar a agenda mesmo que a imagem que fique seja a de um sistema "engatado em marcha-atrás".
Ilustração: Google Imagens.

quinta-feira, 22 de novembro de 2018

Que sociedade queremos, que escola precisamos?


A Escola do Curral das Freiras continua a dar que falar. A perseguição ao Professor Joaquim José Sousa, agora, foi "premium" no Observador. 

A escola não é a sociedade mas confunde-se com esta e deve ser um lugar onde se aprenda a produzir, onde se aprenda pelo trabalho e não simplesmente o lugar onde se aprende para um dia ter um trabalho. Ao decidir acabar com um projeto educativo de sucesso como o foi a EB123/PE do Curral das Freiras, o governo regional da Madeira decidiu que a inovação e a modernidade não são o caminho escolhido. Sem explicar os motivos da extinção, mas quem acompanhou o processo sabe quais são as verdadeiras intenções. O governo regional descredibilizou a escola pública, tornando-a dispensável, pois é demasiado cara, tem problemas insanáveis e por vezes pessoas incontroláveis, numa clara estratégia de tentar desmerecer o seu papel social e desvalorizar a sua missão.

Custo de oportunidade é um conceito económico que significa, grosso modo, aquilo que estamos a abdicar para ter aquilo que temos agora. Digo-vos, um sistema educativo aquém das suas inúmeras potencialidades tem um custo de oportunidade elevadíssimo. Perdemos muito por não oferecer ferramentas de sucesso aos alunos, perdemos por não fazer os alunos acreditarem no seu talento e perdemos por não superar as mentalidades que não escapam ao local, ou seja, que não são capazes de tirar pleno proveito de um mundo tecnológico, digital e globalizado. Por outro lado, uma mentalidade chauvinista e revanchista nos lugares de topo cria custos invisíveis que vão desde o stress ao burnout. Tenho uma profunda preocupação com o nosso futuro coletivo e pela nossa crónica dificuldade de criar capital social, do modo como sistematicamente dificultamos o sucesso do talento “sem pedigree” na Região Autónoma da Madeira (RAM).
Afirmam diferentes especialistas que “as hipóteses de os jovens terem uma carreira de sucesso dependem fortemente das suas origens socioeconómicas e do capital humano dos pais”. Diz a Constituição da República que o Estado deve garantir a existência de uma rede pública de estabelecimentos de ensino livre e de qualidade, que sirva as necessidades e os interesses das populações, assegurando a igualdade de oportunidades e o progresso social, sem exclusões. O atual sistema de ensino não potencia a existência da escola enquanto elevador social. Urge reativá-lo para que não continuemos a perder gerações.
Existem muitos professores na RAM que são verdadeiramente excecionais, muitos são cultos e têm um profundo e sistemático conhecimento das matérias que lecionam. Porque será que este talento não se traduz em resultados objetivos como os testes PISA e outros indicadores de sucesso educativo demonstram? Porque será que estamos distantes de colocar sistematicamente alunos nas faculdades de topo do país e da Europa? Podem sugerir sardonicamente que estou a ser demasiado ambicioso, mas confesso que gostava de ver mais madeirenses nas melhores universidades do continente europeu, confesso que gostaria de ver a nossa região como um exemplo de excelência não só no âmbito nacional como internacional. É ambicioso, é verdade, mas esta ambição não é vã, prende-se exclusivamente com os alunos que já encontrei. Temos uma juventude de talento. Muitos acreditam que a nossa juventude perdeu valores face aos seus progenitores, não acredito nisso. Vejo que muitos alunos têm enormes dificuldades em singrar, aliás, vejo que a minha geração teve muito mais oportunidades que as gerações atuais. Também no campo da esperança, a minha geração foi muito mais favorecida.
Os tempos mudaram, da massificação que abriu portas numa administração em mudança e sedenta de quadros com formação superior, chegámos a uma sociedade que olha para a educação como um custo e não como investimento. Quando num território isolado e distante como o Curral das Freiras despontou uma escola, indo da creche ao 12º ano com resultados assinaláveis ao nível da formação de excelência e do potenciar de condições de igualdade, como o comprovam o reconhecimento nacional traduzido nos prémios da Fundação Montepio ou o reconhecimento da Fundação Francisco Manuel dos Santos e da Associação Corações com Coroa em menos de uma década, estávamos na presença dum balão de esperança num eventual modelo que fazia renascer a ideia da escola enquanto elevador social.
Através dum Projeto Educativo que se baseava (1) no profundo conhecimento do aluno de modo a poder intervir sobre os seus constrangimentos de partida; (2) na aquisição pelo aluno de confiança pessoal e social; (3) na aquisição efetiva de competências académicas e sociais. Estando o mesmo orientado para proporcionar aos alunos condições de Equidade – respeitando a identidade de cada um e potenciando as suas competências de trabalho e de excelência, no ensino regular ou profissional; Igualdade – apoiar – recuperar – potenciar, cada jovem que abandona a escola sem completar a escolaridade é uma perda tremenda para a região e para o país de potencial humano e poder económico (o futuro em educação constrói-se, não se adia); Individualidade – cada aluno tem a sua identidade própria, diferente de todos os outros e era com ele elaborado o seu projeto de vida académico com realismo, de modo a promover a excelência académica e de prevenir o abandono escolar; Acesso às artes e ao desporto – o desenvolvimento harmonioso depende do desenvolvimento do corpo, da sua integração no espaço, da perceção do belo; Sentimento de pertença – todos os elementos desde o porteiro ao presidente do conselho Pedagógico são fundamentais para a formação académica e social dos alunos; Desenvolvimento do cidadão reflexivo – de modo a criarmos cidadãos participativos, críticos e intervenientes nas suas comunidades; Construção do futuro – continuávamos a acompanhar os alunos mesmo depois de saírem da escola, assim como apostámos na formação dos país.
O mundo atual está em permanente transformação, não é sustentável que a escola mantenha o mesmo paradigma, urge iniciar um novo ciclo pedagógico, curricular e administrativo adaptado aos desígnios dos alunos, tendo por princípio chegar a todos, proporcionando-lhe melhores e mais significativas aprendizagens.
Grandes mudanças avizinham-se no horizonte. Singrar neste mundo novo exige um conjunto de aptidões, conhecimentos e faculdades completamente novas. Será que estamos a disponibilizar estas competências aos alunos? Julgo que estamos muito longe disso e esta situação exige uma mudança rápida de rumo. É preciso reunir novas metas e objetivos no sistema educativo que prepare os alunos para os sinuosos desafios da modernidade, não só para que tenham competências técnicas, mas também que estejam preparados como cidadãos e indivíduos para as dificuldades. Os nossos jovens merecem uma herança social melhor, eles são também a garantia que a região salvaguarda os seus valores culturais, são o seu elo com o mundo. Os nossos jovens serão o futuro da nossa comunidade, da nossa pátria e nós temos o dever de lhes proporcionar todas as condições para que quando chegar o momento deles, eles possam transportar um testemunho geracional de excelência. Não podemos continuar a perder gerações, perante os dados demográficos, cada criança que perdemos é Portugal que fica mais pobre.
Tenho a ambição que no futuro o cenário se altere e os nossos jovens não tenham que partir por falta de oportunidades na sua terra. Urge devolver à escola pública a sua legitimidade, o que passa em meu entender por lhe conferir dimensão ética na sua organização e o gosto pelo ato de aprender e ensinar em si. Com isto quero dizer que os atores educativos deverão retomar a sua posição social de relevo, assente na dignidade e no saber que transportam e que as aprendizagens devem ser significativas e que permitam aos alunos compreender e intervir na sua sociedade e não sejam apenas um acumular de conhecimentos para um qualquer exame que “traga” hipotéticos benefícios futuros.
A escola não é a sociedade, mas confunde-se com esta e deve ser um lugar onde se aprenda a produzir, onde se aprenda pelo trabalho e não simplesmente o lugar onde se aprende para um dia ter um trabalho. O ato de aprender pela repetição de conhecimentos tão comum na escola tradicional parece-me de todo desfasado no tempo. A escola deve sair das suas “amarras” e procurar produzir conhecimento, nem que seja de cariz cultural, como o foi o projeto da Cultura Madeirense desenvolvido na escola do Curral das Freiras e sem razão objetiva, entretanto, extinto.
A evolução da sociedade da informação, tornou imediatos e crus factos outrora diluídos pela distância da informação, os jovens não podem crescer sós num mundo onde a informação e as “fake news” se confundem. O ato de debater a realidade da comunidade, da região do país e do mundo, o ter opinião sobre o ambiente, as intolerâncias, as desigualdades e ou a democracia é o princípio duma cidadania ativa. Acreditando como acredito que a escola forma Homens e Mulheres para e com a sociedade, é para essa mesma sociedade que a escola deve preparar os jovens, pois o tempo não para e não podemos continuar a perder gerações.
São metas ambiciosas, reconheço. Mas o fluxo imparável da modernidade assim o exige.

NOTA
Texto publicado no Observador e que aqui reproduzo pelo seu enorme interesse.