terça-feira, 13 de março de 2018

SINDICATO DE PROFESSORES - 40 ANOS VIVOS E ACTUANTES


O que daqui resulta, repito, é que o sistema vai mudar em busca de um paradigma integrado. E temos de estar preparados para essa mudança, a todos os níveis, inclusive, na oferta formativa do sindicato. Aquilo que hoje acontece, o debitar, disciplina a disciplina, como se o ensino fosse uma linha de montagem de uma fábrica, ignorando a capacidade que os alunos transportam através de uma informação e vivências acumuladas, fora do ambiente escolar, por via do acesso aos mais variados meios, está a colocar em causa o formato enciclopédico a que, religiosamente, nos submetemos ao longo de dezenas de anos. O próprio espartilho da avaliação de desempenho que encosta os professores à parede da submissão, inexoravelmente, será mudado. E nós, SPM, temos de estar atentos e na dianteira deste processo.

Intervenção da minha responsabilidade na cerimónia comemorativa dos 40 anos do Sindicato de Professores da Madeira.

Caríssimo Coordenador do SPM 
Caríssimos membros da Direcção 
Caríssimos membros da Comissão Organizadora dos 40 Anos 
Caros Colegas 
Minhas Senhoras e Meus Senhores 

Quarenta anos. 
Não venho aqui falar nem do passado nem de sindicalismo. 
Sobre esse tempo apenas algumas sentidas palavras. 
Todos conhecem as traves-mestras da luta sindical ao longo de todo esse tempo. E conhecem, também, as figuras de proa que por aqui passaram. Muitos aqui estão. Colegas que, pelos outros, muito sacrificaram as suas vidas pessoais. Colegas que, vendo longe, bastas vezes foram incompreendidos, gerando-lhes sentimentos de alguma mágoa. Colegas que fizeram opções, sabendo que as conquistas eram milimétricas em função dos quilómetros a desbravar pelos direitos de todos e no sentido da dignificação da classe docente. Curvo-me e curvemo-nos perante essas mulheres e homens de mão-cheia que abriram portas e raramente encontraram terrenos fofos para cavar, antes feitos com a pedra da incompreensão. Paulatinamente, conseguiram, transcendendo, até, a mera defesa dos interesses corporativos. A defesa da escola pública com tudo o que daí resulta, a montante e a jusante, constitui uma marca, eu diria, inigualável no plano do sindicalismo. O capital de credibilidade e de notoriedade social constitui, hoje, um património que toda a classe docente se deve orgulhar. Porque, entre batalhas perdidas e ganhas, entre momentos internos serenos, face a outros de alguma ou muita tensão, o saldo é claramente positivo. 
Por todos fica, portanto, uma gratidão sem fim. Inclusive, aos colaboradores do SPM parte importante deste processo. 
Mas esse foi um tempo que passou. Tratou-se de uma fase de um processo. E porque se trata de um processo não deve parar. Esse alargado grupo de bravos professores fizeram o alicerce sobre o qual temos o dever de edificar os pilares do futuro. A herança deixada pelos que antecederam nesta casa, permite ter esperança, embora esta esperança necessite de ser alimentada, sempre, de forma “viva e actuante”. Tenhamos isto presente. 
O que implica dois desafios centrais: 1º “não esmorecer” face a tantos dossiês que estão por resolver, alguns de longa data, outros cíclicos e que atentam contra as expectativas, contra o direito inalienável da dignidade e respeito pela função que exercemos. Tenhamos presente o permanente jogo de toca e foge dos sucessivos governos. Irradiam simpatia, podem até prometer soluções adequadas, racionais e de bom senso, mas, depois o verbo eternizar é conjugado em todos os tempos e modos. “Não esmorecer” deve constituir-se como expressão que dê sentido à luta, no sector público, no particular e cooperativo e no superior. “Não esmorecer” na luta, quando se assiste a um crescente desinvestimento no sector público, os indicadores provam-no, desde as muitas inexplicáveis e unilaterais fusões de escolas, sem audição prévia e de consequências devastadoras, até à indisfarçável situação de carência financeira dos estabelecimentos de educação e ensino públicos. “Não esmorecer” quando a economia e o elitismo estão a tomar conta da política. “Não esmorecer” quando somos vergastados nos direitos salariais e na progressão na carreira, querendo agora, uns, oferecer umas migalhas compensatórias, outros que falam mas não encontraram tempo para assumir, preto no branco, o agendamento dos compromissos. “Não esmorecer” perante diplomas sobre concursos, vagas e outros que constituem não só um retrocesso, mas também uma ofensa a todos os que, há anos, fazem da docência a sua profissão. “Não esmorecer” perante o medo, hábil e subtilmente integrado no sistema, de natureza vertical e a todos os níveis, por vezes com manchas de perseguição, castrador das mais elementares regras de vivência e convivência democráticas e absolutamente desmotivador para quem escolheu ser docente. Há, caros colegas, uma luta a fazer para que não se assista à morte da autonomia das escolas, para que ela não se torne apenas de papel, já é, pior, ainda, à própria morte da autonomia dos professores. Nós não precisamos de elogios e de salamaleques, precisamos de acções concretas. 
Segundo: Temos de adoptar uma outra expressão que dê sentido à missão do Professor: há que dar “sentido prospectivo” ao nosso trabalho. A par do estrictamente sindical, a nossa “Carta Ética” abre portas a uma discussão séria sobre o sistema educativo regional. O sistema com o qual nos confrontamos tem como referência o passado, tem duzentos anos, incapaz de olhar para o presente e para o futuro, trazendo os traços desse futuro aos dias que estamos a viver. Os professores estão, hoje, embrulhados em um sistema centralizado, errado e penoso para eles e para os alunos. E ambos, professores e alunos, têm o direito de serem felizes no que fazem. Desbravar, tal como os de ontem fizeram, obviamente, trará inevitáveis consequências na nossa própria actividade sindical. É uma questão de tempo. 
Há dias li, a propósito, um texto brilhante e de grande exigência no sentido da sua decodificação inter-textual. Hoje, sabe-se, sublinha o texto, que “a actividade cerebral de um aluno, onde o aluno é apenas um receptor de informação, é semelhante ao que vê televisão (…) porque a fórmula é sempre a mesma: os professores no controlo e os estudantes não são pró-activos. Esta fórmula deve mudar, tendencialmente irá mudar, porque estudantes e professores devem aprender juntos e desenvolver os mesmos interesses (…). Reparem, doravante, o professor deve ensinar o que ele não conhece. É aí que a inovação começa”. Curiosamente, porque este não é tema novo, li, no início dos anos 70, um livro do Filósofo francês Georges Gusdorf. A páginas tantas fui confrontado: “O mais alto ensinamento do mestre não está no que diz, mas no que não diz”. Decorreram quase 50 anos, mas isto continua a fazer toda a diferença. Como faz a diferença, um professor visionário que tive, por essa altura, nos ter dito: como pode uma escola sempre igual competir com a vida que é sempre diferente? O desencontro é inevitável. Não me canso de trazer em memória activa este posicionamento que acabou por orientar a minha vida profissional. 
Uma coisa é certa, colegas, como estão, “as escolas tornam-se, para inúmeras crianças e adolescentes, verdadeiras catedrais do tédio”, síntese com a qual me revejo, de Ilídia Cabral, docente da Faculdade de Educação e Psicologia da Universidade Católica Portuguesa. Ora, isto implica, necessariamente, mudanças de pensamento estrutural, não apenas no plano organizacional do sistema, no plano curricular e programático, mas, fundamentalmente, no processo pedagógico. Porque, hoje, muitos se queixam, cito o Professor Joaquim Azevedo: "(...) a escola mudou pouco, os adolescentes mudaram muito", pelo que "a indisciplina cresce, cresce, cresce", cada vez mais. Saberão os governantes as razões mais substantivas, quer a montante, nas famílias, quer a jusante, na escola? 
O que daqui resulta, repito, é que o sistema vai mudar em busca de um paradigma integrado. E temos de estar preparados para essa mudança, a todos os níveis, inclusive, na oferta formativa do sindicato. Aquilo que hoje acontece, o debitar, disciplina a disciplina, como se o ensino fosse uma linha de montagem de uma fábrica, ignorando a capacidade que os alunos transportam através de uma informação e vivências acumuladas, fora do ambiente escolar, por via do acesso aos mais variados meios, está a colocar em causa o formato enciclopédico a que, religiosamente, nos submetemos ao longo de dezenas de anos. O próprio espartilho da avaliação de desempenho que encosta os professores à parede da submissão, inexoravelmente, será mudado. E nós, SPM, temos de estar atentos e na dianteira deste processo. 
Corolário disto, já não é, apenas, a Síndrome de Burnout que a muitos invade, esse estado depressivo, o esgotamento físico e mental intenso que marca a vida de muitos docentes. A caminho vem uma sintomatologia associada, tendencialmente mais complexa, por inadaptação. No tempo que estamos a viver, sublinho, em aceleração constante, vão associar-se, de forma agravada, outras variáveis, face às quais, a maioria dos professores não me parece que esteja preparada. 
Cruzo-me com colegas que se dizem exaustos, cansados da vivência da escola, que sentem a necessidade da tal mudança, porém, invariavelmente, perguntam-me: mas como fazê-la? Começa aí a pescadinha de rabo na boca! Um círculo vicioso preocupante e doentio. Se, por um lado, há uma tomada de consciência que o caminho deverá ser distintivo, por outro, não sabem que rumo operacionalizar. Confrontam-se com o sistema político, com as regras impostas, com os normativos, com a arrepiante burocracia, com a rotina e com o natural sofrimento interior de quem sabe que este já não é chão que produza felicidade, para uns e para outros. O problema é que o prazer da curiosidade, o prazer de fazer pensar está a ceder ao sofrimento. Enalteceu o Professor Alexandre Quintanilha, cito: “Eu vivo porque sou curioso”. Ora, não se desenvolve a curiosidade e, já agora, o pensamento, com os conceitos de aula e de turma que já não fazem sentido, nos tempos que correm, tampouco com o toca-entra-toca-sai! 
Tenhamos consciência que, hoje, estamos a ensinar para empregos que tendencialmente não existirão ou serão diferentes. Estamos a ensinar de forma segmentada quando a vida é um todo de respostas exigentes, complexas e adaptáveis. Estamos a ensinar individualmente, para depois, nas profissões, exigirem trabalho em grupo. Não bate certo. 
E assim regresso ao segundo ponto, à necessidade de termos de adoptar a tal expressão que dê sentido à missão do Professor: embora se faça tarde, há que dar “sentido prospectivo”. Trazer o futuro ao presente. Esse sentido está lá, subtilmente, repito, na “Carta Ética”, quer na relação com os alunos, quer na relação com os pares de profissão quer, ainda, na relação com outros membros da comunidade educativa, com os pais e com a comunidade externa. 
São estes dois pontos, por um lado, “não esmorecer”, por outro, ter “sentido prospectivo”, os pontos que devem animar o próximo futuro. Estes quarenta anos constituíram o alicerce. Tenhamos, agora, a coragem e o discernimento de edificar os pilares onde assentará uma espécie de laje para a construção do futuro e tenhamos o bom senso de nos prepararmos para os novos desafios e lutas no plano sindical que as mudanças trarão no seu bojo e que serão cada vez mais complexas. 
A terminar, deixo-vos com um parágrafo que li em um texto do Professor Emanuel Oliveira Medeiros que alimenta a esperança: "(…) Temos de despertar e acordar para a nossa vocação ontológica de "ser mais". É tempo de ser, para respirar, existir e coexistir. É tempo de questionar. É urgente renovar a Escola: o currículo e as práticas pedagógicas têm de ser espaços e tempos para cultivar valores maiores que contribuam para a afirmação da Verdade, da Justiça, do Bem, do Belo, da Solidariedade, da Fraternidade (entre tantos outros), fazendo regenerar a saúde nessa sociedade doente e corroída pelo individualismo ganancioso, pela mentira, pela inveja, pela maldade, onde se multiplicam tantas formas de pobreza e exclusão (...)" 
Obrigado pela vossa atenção. 
Viva o SPM.

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